Fim das holdings familiares no Brasil?
Por: Revista Consultor Jurídico
De início, faz-se imprescindível elucidar o que compreende o conceito de holding, para posteriormente adentrarmos no exame da holding familiar propriamente dita. Este assunto está em alta após especialistas da área difundirem o conhecimentos das vantagens do instituto, especialmente no que tange à organização empresarial, que pode ter como consequência a blindagem e a proteção patrimonial.
Tanto a blindagem patrimonial como a proteção patrimonial se valem do conhecimento de juristas qualificados para analisar a conjuntura apresentada e assim idealizar — dentro dos ditames legais — o melhor cenário protetivo para seu cliente, adotando medidas legalmente autorizadas para proteção do patrimônio pessoal dos investidores, com o fim de estabelecer o cenário mais seguro possível em termos de conservação da autonomia patrimonial.
Não restam dúvidas de que nós, advogados, devemos nos atentar para o leque de oportunidades que se abrem nesse ramo do direito, o consultivo. Ao invés de focar no litígio, os juristas Gladston e Eduarda Mamede¹ apontam que há uma tendência do modelo de advocacia preventivista em detrimento do modelo demandista, o qual ainda é predominante no Brasil.
Em geral, as pessoas acabam por manter o seu patrimônio em sua própria titularidade, de pessoa física. Não obstante, com o advento de novos institutos jurídicos, é natural e legítimo que busquem formas para resguardar a atividade empresarial e o patrimônio constituído, como é a hipótese das holdings familiares.
Em suma, holding é uma sociedade que tem participação em outras sociedades (com cotas ou ações em seu capital social), em quantidade suficiente para administrar ou controlar outras empresas e, em alguns casos, resguardar a autonomia patrimonial, além de serem titulares de bens e direitos, investimentos, créditos, etc.
Conforme ensinam Carla Alessandra Branca Ramos Silva Aguiar e Elizama Alencar Rodrigues Santos²:
"As eventuais dívidas pessoais dos sócios podem vir a dilapidar o patrimônio da empresa, quando o próprio patrimônio pessoal dos sócios, devido a confusão patrimonial em torno desses dois tipos de patrimônio, caso haja má-fé ou ilegalidade. A constituição de holding visa, através do controle de ações ou cotas, manter esse patrimônio protegido, contra as possíveis contingências internas ou externas".
Consoante indicam os juristas Eduarda Mamede e Gladston Mamede em seu livro Blindagem patrimonial e planejamento jurídico, são diversas as vantagens que podem extrair-se da constituição de uma holding familiar, dentre elas: estruturação empresarial, uniformidade administrativa, redução da carga tributária, contenção de conflitos familiares, distribuição de funções, administração profissional, proteção contra terceiros, proteção contra fracassos amorosos e desenvolvimento de negócios.
Conforme citado, um dos importantes benefícios que advém da constituição de uma holding familiar, sem sombra de dúvidas, é a economia lícita com a carga tributária: a Constituição Federal, em seu artigo 156, §2º, atribui imunidade tributária para transmissão de bens e/ou direitos que sejam transferidos à uma pessoa jurídica com a finalidade de integralização de capital, ipsis litteris:
"Artigo 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
[...]
II - transmissão 'inter vivos', a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
[...]
§2º O imposto previsto no inciso II:
I - não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;
[...]".
Como verifica-se na literalidade do texto constitucional, a imunidade tributária prevista neste dispositivo se estende às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. No entanto, o principal objetivo do presente artigo é analisar o entendimento adotado pelo Superior Tribunal Federal (STF) no RE 796376, in verbis:
"EMENTA. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS — ITBI. IMUNIDADE PREVISTA NO ARTIGO156, §2º, I DA CONSTITUIÇÃO. APLICABILIDADE ATÉ O LIMITE DO CAPITAL SOCIAL A SER INTEGRALIZADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO. 1. A Constituição de 1988 imunizou a integralização do capital por meio de bens imóveis, não incidindo o ITBI sobre o valor do bem dado em pagamento do capital subscrito pelo sócio ou acionista da pessoa jurídica (artigo 156, §2º). 2. A norma não imuniza qualquer incorporação de bens ou direitos ao patrimônio da pessoa jurídica, mas exclusivamente o pagamento, em bens ou direitos, que o sócio faz para integralização do capital social subscrito. Portanto, sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI. 3. Recurso Extraordinário a que se nega provimento. Tema 796, fixada a seguinte tese de repercussão geral: 'A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado'". (RE 796376, relator: Marco Aurélio, Relator p/ Acórdão: Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2020, Publicado em 25-08-2020).
Em 05 de agosto de 2020, o STF julgou o supramencionado Recurso Extraordinário, o qual teve Repercussão Geral reconhecida, em que resultou na fixação do Tema 796 com a seguinte tese:
"A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado".
No nosso entendimento, essa decisão não esvazia o instituto da holding familiar e as diversas vantagens patrimoniais e tributárias que esta proporciona. Não obstante, instaura um cenário de insegurança jurídica que, como sabemos, está longe de ser o ideal. Nesta oportunidade, vamos intentar esmiuçar o teor do decisório e suas consequências.
A título exemplificativo, vamos supor que o preço de mercado dos imóveis que são transmitidos para a empresa é de R$ 1.000.000,00, porém o capital social da empresa é de apenas R$ 50.000,00. Neste caso, a diferença entre o preço dos bens e a quantia integralizada é de R$ 950.000,00.
Nesse montante excedente, segundo a maioria dos ministros que compõe o STF, há a incidência do ITBI, posto que deve-se fazer uma interpretação restritiva do dispositivo, limitando a imunidade tributária tão somente aos bens que são transferidos para pessoa jurídica com o fim específico de integralizar o valor estipulado no contrato social.
Há quem defenda outro posicionamento, como o relator do leading case em comento, ministro Marco Aurélio, que acabou vencido, o qual sustenta — com base no artigo 182, §2º, alínea a da Lei 6.404/76 — que a monta sobressalente deveria ser classificada como reserva de capital, a qual também possuiria imunidade tributária, dado que a norma acima disposta não excetua essa hipótese para permitir a incidência do imposto nessas hipóteses.
Na prática, o que temos observado é o fisco municipal intentando tributar a diferença entre o valor venal, de avaliação ou de mercado do imóvel e o montante efetivamente subscrito pelos sócios, o que não deve ser permitido, mormente nos casos em que restar claro que não tem-se o objetivo de formar reserva de capital.
Sendo assim, apesar de acreditarmos que esse tema ainda gerará muito debate jurídico, tanto na doutrina como no Poder Judiciário, em que muitos questionarão a cobrança indevida, não consideramos que sejam o fim das holdings familiares, uma vez que há outras estratégias (algumas já implementadas e outras ainda sendo idealizadas) que podem ser adotadas no instante da transferência de bem imóvel à pessoa jurídica, a fim de evitar a cobrança indevida do ITBI pelo fisco municipal.
Referências Bibliográficas
AGUIAR, Carla; SANTOS, Elizama. Blindagem patrimonial utilizando a holding patrimonial. Disponível em: <http://www.rdpc.com.br/index.php/rdpc/article/view/
82>. Acesso em: 14 set. 2021.
BRASIL. Código Civil. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/ L10406.htm>. Acesso em: 01 set. 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/>. Acesso em: 23 out 2022.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 796376/SC. Relator: ministro Marco Aurélio, Redator do Acórdão: ministro Alexandre de Moraes, Julgado em 05.08.2020. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/
pages/search/sjur429670/false>. Acesso em: 23 out. 2022.
MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda. Blindagem patrimonial e planejamento jurídico. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
1. MAMEDE, Gladston; MAMEDE, Eduarda. Blindagem patrimonial e planejamento jurídico. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 57-61.
2. AGUIAR, Carla; SANTOS, Elizama. Blindagem patrimonial utilizando a holding patrimonial. Disponível em: <http://www.rdpc.com.br/index.php/rdpc/article/view/82>. Acesso em: 14 set. 2021. p. 9.
Data: 03/11/2022
Autor: Raul Bergesch